Prada outono-inverno 2016/17

26.02.2016

Todo criador tem suas fases – e os admiradores podem apontar: “Ah, a fase áurea… logo depois, um momento um pouco menos inspirado… E teve aquela série muito boa…” (E olha, nem estamos falando de arte, porque Miuccia Prada já disse em um vídeo da exposição de seu trabalho com o de Schiaparelli no Met: “Moda é arte, moda não é arte. Mas no fim, quem se importa?”) A verdade é que os connoisseurs pradistas achavam que a fase áurea de Miuccia havia passado – de coleções e desfiles reagindo a questões sociais contemporâneas, parecia que ela vinha cada vez mais se exercitando esteticamente apenas. Talvez tenha sido o reflexo da morte de uma de suas colaboradoras mais próximas e amiga, Manuela Pavesi, em 2015. Porém, ao que tudo indica, a estilista voltou à sua melhor forma nesse outono-inverno 2016/17, com uma apresentação de apontamentos políticos, sociais, provocadores. Nisso, Miuccia parece provocar até a si mesma: por mais que não acredite que moda é arte, ela se incumbe desse papel de debater e questionar por meio da estética, como se quisesse expandir esses limites, burlá-los, e desafiasse suas próprias crenças.

Ao desfile: a própria Miuccia aponta essas suas “novas mulheres” na passarela como “vagabundas” – não no sentido sexual (ou, até, também neste) mas especialmente no de Charles Chaplin, pendendo perversamente (e propositalmente) entre o mendigo e o flaneur; a glamourização do pobre (ou, se preferir uma palavra mais bonita, do pauperismo), aquele rico boêmio que mistura signos de ostentação com outros alheios a esse mundo. Zelda Fitzgerald encontra Debbie Harry antes da fama encontra Grey Gardens encontra Grimes. O quepe e o militarismo indicam: estamos em guerra. Conflito social, luta de classes, e um lembrete: sem roupa (e, importante, sem carteira) todo mundo é igual. Ou não é? O livrinho pendurado na gargantilha te lembra: uma coisa que ninguém pode te roubar é o conhecimento, o que você aprendeu. E as maxichaves, também penduradas no mesmo local? Existem segredos.

Christophe Chemin, o mesmo artista que colaborou com estampas pra coleção masculina recém-apresentada, volta agora, numa continuidade do seu trabalho com a estilista. Ele mistura o estilo de diversas épocas (afresco, pop art, ilustração de cartaz de cinema dos anos 50…) e, nos elementos figurativos que aparecem, inclui referências de diversas épocas, como se diluísse o tempo. Um discurso pós-moderno (pós-história) onde tudo já aconteceu, tudo ainda pode acontecer de novo, e a ordem começo-meio-fim se fragmentou. Essa fluidez (ou, pra outros, esse caos) também é representado por retomada de coisas que já apareceram em desfiles da Prada antes: o metalizado aqui, o vestido mídi com estampa floral quase Belle Époque ali (primavera-verão 2008), uma estampa tropical de combinação de cor inusitada, um elemento esportivo-esquisito que quebra… Só que, nessa nova mistura, essas coisas não tem a força de antes – funcionam mais como apontamentos fora de seus contextos anteriores.

E o que falar do miniespartilho, que serve como cinto que ajusta a cintura e remete tanto a uma silhueta mais feminina quanto a um momento na moda que muitos apontam como repressor (todo mundo que já estudou um pouco de história da moda já viu a frase feita “Poiret libertou a mulher do espartilho”)? Já a bota de cano alto, também com cordão de amarrar, inclui um toque fetichista. A sobreposição de significados é a nova sobreposição de camadas. Na trilha sonora, mais pistas: mil mulheres, mil facetas, de PJ Harvey a Edith Piaf. Esse desfile é, sim, uma continuidade do masculino de outono-inverno 2016/17, mas deixa claro: a mulher é mais complexa, tem mais papéis e mais mistérios. Miuccia inclusa. E esse textão só tratou de alguns deles.

Tags:                                  

Compartilhar